O STJ e a Responsabilidade no Direito do Consumidor
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O STJ e a Responsabilidade no Direito do Consumidor

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O STJ e a Responsabilidade no Direito do Consumidor

Fernanda Mathias de Souza Garcia

O fornecedor aufere lucros e benefícios de sua atuação e, portanto, assume os riscos da atividade desenvolvida, arcando com eventuais ônus causados ao consumidor, considerado hipossuficiente por natureza. Segundo ensinamentos de Karl Larenz, a responsabilidade pelo risco é uma “imputação mais intensa desde o ponto de vista social a respeito de uma determinada esfera de riscos, de uma distribuição de riscos de danos inerentes a uma determinada atividade segundo os padrões ou medidas, não da imputabilidade e da culpa, senão da assunção de risco àquele que o cria ou domina, ainda que somente em geral” (Larenz, Karl – Derecho de obligaciones. Tradução de Jaime Santos Briz – Madri – Editorial Revista de Derecho Privado, t. II, p. 655).

O Código de Defesa do Consumidor – CDC elegeu, como regra, a responsabilidade objetiva (excepcionada no caso da atuação dos profissionais liberais cuja responsabilidade é subjetiva – art. 14, § 4º do código em referência), incidindo a teoria do risco da atividade ou do empreendimento (risco proveito). É cediço que todo aquele que fornece produto ou serviço no mercado de consumo criando um risco de dano aos consumidores tem o dever de reparação independentemente de dolo ou de culpa. Despiciendo ressaltar que os requisitos da responsabilidade objetiva (dano, fato e nexo causal) devem estar sempre presentes também no universo consumerista.

Sob esse enfoque, o STJ já excluiu a possibilidade de indenização quando ausentes os alegados prejuízos pelo consumidor, afastando, a título de exemplo, o dano moral na falta de ingestão de produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de algum corpo estranho no interior da embalagem, um mero dissabor individual que não justificaria a litigiosidade (REsp 1.395.647/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, DJe 19/12/2014; AgRg no AREsp 489.325/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 04/08/2014 e REsp 1.131.139/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, DJe 01/12/2010).

Do mesmo modo, a Corte não admite indenização por escolhas pessoais dos consumidores que, porventura, acarretem mal previsível à saúde, tais como o consumo de bebidas alcoólicas e de tabaco (REsp 1.261.943/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Terceira Turma, DJe 27/02/2012 e REsp 886.347/RS, Rel. Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (Desembargador convocado do TJ/AP), Quarta Turma, DJe 08/06/2010).

O CDC subdivide os riscos em duas categorias: a) a Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço (acidente de consumo) e b) Responsabilidade por Vícios do Produto ou do Serviço.

A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço está prevista nos seus artigos 12 e 14 e se relaciona à violação do dever de segurança legitimamente esperada na relação consumerista. Visa proteger, em última análise, a incolumidade física e psicológica do consumidor.

Tal responsabilidade tem como berço o direito norte-americano no início do século XX como destaca Bruno Miragem citando o paradigmático caso “McPherson vs. Buick Motor Co.” decidido pelo Tribunal de Apelações de New York, em 1916. No caso em questão, discutia-se a extensão da responsabilidade de uma fábrica de automóveis pelos veículos por ela fabricados. Na ocasião, decidiu o tribunal que, tendo em vista tratar-se de produtos ‘perigosos’, o fabricante tinha a obrigação de adotar precauções não apenas em relação ao comprador do produto, mas também em relação a quaisquer usuários do automóvel, razão pela qual poderia ser imputada responsabilidade por negligência na hipótese de danos a quaisquer terceiros usuários do bem” (Curso de Direito do Consumidor, 2ª Edição, RT, pág. 355).

Válido mencionar que segundo o art. 12, § 2º, do CDC, “o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado”. Assim, a inovação tecnológica não está vedada e o produto não pode ser considerado defeituoso quando outro de melhor qualidade é comercializado. Aliás é comum haver limitação nas informações sobre as alterações de estilo dado o sigilo e dinâmica de mercado, próprios da indústria, inclusive da automobilística (REsp 1.330.174/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 22/10/2013, DJe 04/11/2013 e REsp 1.342.899/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Terceira Turma, julgado em 20/08/2013, DJe 09/09/2013).

No que tange às excludentes de responsabilidade pode-se destacar que a responsabilidade do fornecedor pelo fato do produto somente é afastada quando demonstrado que não colocou o produto no mercado, o defeito inexistir ou ainda se houver culpa exclusiva da vítima ou de terceiro (art. 12, § 3º do CDC). No que tange ao fato do serviço não há que se falar em responsabilização quando o fornecedor provar que “tendo prestado o serviço, o defeito inexiste” e na hipótese de “culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

O ônus da prova no caso de acidente de consumo é do fornecedor (inversão ope legisdo ônus probante) diferentemente daquela, a critério do juiz, prevista no art. 6º, VIII, do CDC (inversão ope iudicis)no caso de responsabilidade por vício do produto (art. 18 do CDC).

A Segunda Seção do STJ superou a divergência entre as Turmas de Direito Privado e consolidou o entendimento de que “a inversão ‘ope judicis’ do ônus probatório deve ocorrer preferencialmente na fase de saneamento do processo, assegurando-se à parte a quem não incumbia inicialmente o encargo, a reabertura de oportunidade para apresentação de provas” (REsp 802.832/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Segunda Seção, julgado em 13/04/2011, DJe 21/09/2011). A inversão do ônus da prova constitui, portanto, regra de instrução, e não de julgamento.

Acrescente-se que, também são causas excludentes de responsabilidade o caso fortuito e a força maior que ocorrem após a inserção do produto no mercado de consumo ou prestação de serviços defeituosos. Importante diferenciar no que tange aos acidentes de consumo os conceitos de fortuito interno (que se relaciona à atividade e aos riscos do empreendimento e do desenvolvimento e não tem o condão de excluir a responsabilidade) do fortuito externo (que não se relaciona com a atividade e, por isso, exclui a responsabilidade). O tema é tão relevante que acabou condensado na Súmula 479/STJ, a saber: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes de delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”. Válido mencionar ainda o REsp 762.075/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Quarta Turma, julgado em 16/06/2009, DJe 29/06/2009.

Observe-se o entendimento do STJ no sentido de que a culpa concorrente do consumidor é um mero atenuante e não exclui a responsabilidade do fornecedor. Cite-se por oportuno caso emblemático do consumo do medicamento Survector, em relação ao qual restou assentado que a circunstância de o paciente ter consumido o produto sem prescrição médica não retiraria do fornecedor a obrigação de indenizar, já que a própria bula do medicamento não indicava os riscos associados à sua administração, caracterizando culpa concorrente do laboratório (REsp 971.845/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 21/08/2008, DJe 01/12/2008).  O fato de o consumidor não cumprir o atendimento ao recall também não isenta o fornecedor de responsabilidade(REsp 1010392/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma e REsp 1168775/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, julgado em 10/04/2012, DJe 16/04/2012).

Já a responsabilidade por vícios de qualidade ou quantidade, prevista nos artigos 18, 19 e 20 do CDC, vincula-se aos produtos ou serviços impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam. Visa defender a incolumidade econômica do consumidor, quando, por exemplo, há uma disparidade em relação às indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária), afastando-lhes dos fins pretendidos.

O fornecedor tem o dever de disponibilizar no mercado de consumo produtos e serviços de qualidade, é dizer, inteiramente adequados ao consumo a que se destinam, respondendo objetivamente por eventual falha já que “a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade” (art. 23 do CDC).

Sob essa perspectiva válido citar o seguinte precedente do STJ que versar sobre a “maquiagem de produto” e “aumento disfarçado de preços”, por alteração quantitativa do conteúdo dos refrigerantes “Coca Cola”, “Fanta”, “Sprite” e “Kuat” de 600 ml para 500 ml, sem informar clara e precisamente aos consumidores no rótulo (REsp 1.364.915/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 14/05/2013, DJe 24/05/2013).

Estabelece o § 1º do art. 18 como solução primeira, diante da constatação de um vício, o direito do fornecedor de tentar sanar o problema no prazo de 30 dias. Somente se não reparado o vício o consumidor poderá exigir, à sua escolha, as três alternativas constantes dos incisos I, II e III do citado parágrafo, a saber: I) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II) a restituição imediata da quantia paga; ou III) o abatimento proporcional do preço. O consumidor escolhe.

Válido lembrar que o CDC elencou, em seu art. 18, § 3º, situações em que o “consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.”

A diferença entre acidente do consumo e vício do produto ou serviço é de suma importância em especial no que se refere ao prazo que deverá prevalecer: os de decadência do art. 26 (vício) ou o prescricional do art. 27 (acidente de consumo). Válido já alertar que a prescrição de 5 anos prevista do art. 27 do CDC aplica-se exclusivamente às hipóteses de defeito do produto ou do serviço.

Assim, uma TV adquirida que não liga corresponde a um vício, incidindo o prazo decadencial, mas se a TV explodir quando ligada haverá um acidente de consumo, o que atrai a prescrição quinquenal. É o que se percebe do didático precedente: REsp 967.623/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado em 16/04/2009, DJe 29/06/2009.

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