A pretensão de indenização por danos morais decorrente de adultério à luz da jurisprudência do STJ
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A pretensão de indenização por danos morais decorrente de adultério à luz da jurisprudência do STJ

A pretensão de indenização por danos morais decorrente de adultério à luz da jurisprudência do STJ

Fernanda Mathias de Souza Garcia é pós-graduada em Direito Romano pela Universidade de Roma II “Tor Vergata” e em Direito Administrativo pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Professora de Direito Administrativo do Centro Universitário de Brasília – UNICEUB. Membro do Conselho Penitenciário do Distrito Federal. Assessora de Ministro no Superior Tribunal de Justiça – STJ.

O adultério é uma situação não só excepcional, como extremamente complexa, que, assinale-se, de plano, não enseja indenização pelo cônjuge adúltero à suposta vítima. Com efeito, deixar de amar é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito apto a ensejar indenização (arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002). No caso, pela natureza do bem jurídico tutelado, não se aplica a máxima de Ulpiano do “neminen laedere”.

O afeto não pode ser objeto de imposição legal, por não constituir uma obrigação de fazer ou de não fazer. Aliás, depreende-se dos termos do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal (com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 66, de julho de 2010) a possibilidade de se pleitear o divórcio direto – tanto pela via consensual, quanto pela litigiosa – independentemente da observância de um prévio período de separação judicial ou de fato. O fim do instituto da separação judicial, ou ao menos, a redução da sua importância, tem o condão de afastar a culpa pelo insucesso do casamento do centro dessa discussão.

A dor da separação, inerente à opção de quem assume uma vida em comum, não é suficiente a impor danos morais de forma isolada. Em outras palavras, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (art. 1.566 do CC) como na união estável (art. 1.724 do CC) não constituem, por si sós, ofensa à honra e à dignidade do consorte, ainda que imponham sofrimento pessoal e moral ao traído. Em regra, há desconforto a ambas as partes envolvidas pelo desaparecimento dos laços afetivos e consequente fim do convívio amoroso. Há, ainda, relações em que a infidelidade é recíproca. Porém, via de regra, o Estado não deve se imiscuir nessa seara, sob pena de invasão ao direito à privacidade.

Porém, circunstâncias lesivas decorrentes da traição, que exorbitam a emoção interna e a frustração do insucesso vivenciado, como, por exemplo, a omissão de informação relevante concernente à verdadeira filiação da criança nascida no decurso da relação matrimonial, poderá, sim, caracterizar dano moral no plano objetivo. Ora, quem eventualmente cria, como seu, filho biológico de outrem, exercendo uma verdadeira paternidade socioafetiva, e descobre posteriormente que, em virtude de relacionamento extraconjugal de sua esposa, não ser o pai, sofre, indubitavelmente, prejuízos que vão além do fracasso da sociedade conjugal pela infidelidade, por refletir erro quanto à paternidade, induzindo o registro indevido de uma criança e a publicização de situação que não condiz com a realidade fática.

Por outro lado, o desconhecimento do fato de não ser o pai biológico de filho gerado durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados pela mulher. A subtração da condição de pai é, inexoravelmente, um acontecimento no mínimo incômodo na vida de qualquer pessoa, sobretudo quando a circunstância se torna pública.

No “leading case” da Corte a Ministra Nancy Andrighi, ao enfrentar a controvérsia, assentou que “transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância”, razão pela qual “o desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados” (REsp nº 742.137/RJ,  Terceira Turma, DJ 29/10/2007).

A obrigação de indenizar, contudo, não se estende ao amante, que não tem o dever legal de zelar pelo casamento alheio. É que o desrespeito à estabilidade da relação matrimonial por um “terceiro interessado” ainda que represente conduta reprovável sob o ângulo da moralidade, não é comportamento hábil a impor a condenação por danos materiais ou morais sofridos pelo cônjuge inocente.

A propósito, válido mencionar importante precedente específico de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ADULTÉRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO MARIDO TRAÍDO EM FACE DO CÚMPLICE DA EX-ESPOSA. ATO ILÍCITO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE NORMA POSTA.

  1. O cúmplice de cônjuge infiel não tem o dever de indenizar o traído, uma vez que o conceito de ilicitude está imbricado na violação de um dever legal ou contratual, do qual resulta dano para outrem, e não há no ordenamento jurídico pátrio norma de direito público ou privado que obrigue terceiros a velar pela fidelidade conjugal em casamento do qual não faz parte.
  2. Não há como o Judiciário impor um ‘não fazer’ ao cúmplice, decorrendo disso a impossibilidade de se indenizar o ato por inexistência de norma posta – legal e não moral – que assim determine. O réu é estranho à relação jurídica existente entre o autor e sua ex-esposa, relação da qual se origina o dever de fidelidade mencionado no art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002.
  3. De outra parte, não se reconhece solidariedade do réu por suposto ilícito praticado pela ex-esposa do autor, tendo em vista que o art. 942, caput e § único, do CC/02 (art. 1.518 do CC/16), somente tem aplicação quando o ato do co-autor ou partícipe for, em si, ilícito, o que não se verifica na hipótese dos autos.
  4. Recurso especial não conhecido” (REsp 1.122.547/MG, Quarta Turma, julgado em 10/11/2009, DJe 27/11/2009 – grifou-se).

Em seu voto, o Ministro Salomão conclui que “com efeito, no caso de adultério, a dor moral experimentada pelo cônjuge traído decorre, eventualmente e se for o caso, dessa quebra de confiança preexistente entre os cônjuges, e não do ato praticado por terceiro, considerado em si mesmo, de quem nada se esperava”.

Sobre o tema, cite-se, por oportuno, o mais recente precedente acerca do tema, da lavra do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE.  DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA. REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO.

(…) 3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal.

  1. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida.
  2. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88), devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros (…)” (REsp 922.462/SP, Terceira Turma, julgado em 04/04/2013, DJe 13/05/2013 – grifou-se).

Assim, a despeito do alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, o STJ já se manifestou no sentido de que o cúmplice da esposa infiel não é solidariamente responsável a indenizar o marido traído, já que tal fato não constitui ilícito civil ou penal em virtude da falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a existência de um direito constitucional à felicidade, postulado constitucional implícito no sistema, que se qualificaria como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da dignidade da pessoa humana (RE nº 477.554 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 16/8/2011, DJe 26/8/2011). Contudo, o insucesso de uma relação conjugal, como bem se percebe, não serve como fundamento exclusivo para impor uma obrigação indenizatória de ordem moral, sob pena de se patrimonializar excessivamente o direito de família, o que seria, por certo, de todo repudiável.

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